sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Houve um dia em que um senhor que vendia verduras passou na minha casa, e isso foi muito útil. Foi o que aconteceu. Quase todas as manhãs aquele senhor de cabelinhos brancos passava na minha casa para oferecer frutas, verduras e legumes limpos e frescos. Tudo baratinho, sem agrotóxicos. Com o tempo percebi que ele não estava lá só para vender. Quando eu estava em casa e ouvia ele chamar a minha mãe, eu então ficava atenta. Ela o atendia sempre sorridente. Eu corria na janela, sem deixar que eles me vissem e ficava observando a situação. Foram ficando mais íntimos, começaram a falar mais, começaram a dar risadas e gargalhadas altas. E eu só observando. Minha mãe começou a cozinhar mais feliz, já não pedia pra mim nem para minha irmã que fizesse o almoço. Não precisávamos nem ajudá-la, ela não fazia mais questão. Cozinhava com o rádio ligado e alto, acompanhando as músicas. Confesso, eu sabia o que estava acontecendo e não contei à ninguém. Eles não puderam evitar e eu muito menos porque eles não imaginavam que eu estava sempre ali vendo tudo isso.Tenho para mim que eles não estavam nem cientes do sentimento que os envolvia, e do quanto era intenso. E essa cena se repetiu por alguns meses até que ele passou a ir em casa com menos frequência. Se antes ele ia todos os dias agora ele ia três, ou duas vezes por semana. Logo passou a ir uma vez por semana e por um mês ele não apareceu. Me cunfundi. Ontem quando cheguei em casa para o almoço vi o carro do meu pai e o carrinho do senhor de cabelinhos brancos. Mesmo que ele tivesse passado a frequentar menos a minha casa eu sabia que no horário do almoço não era exatamente a hora que ele costumava passar, até porque ele vendia coisas para fazer o almoço, e o almoço ja estaria pronto naquela hora. Alguma coisa tinha acontecido, estava acontecendo e eu estava com medo de entrar em casa. Entrei. Estavam os três na sala. Meu pai parecia uma estátua. O senhor estava com a cabeça baixa e por estar dentro de casa dessa vez ele segurou seu boné na mão, demonstrando respeito. Ele usava boné porque andava no sol, e o sol judiava. Minha mãe estava branca, parecia que ia desmaiar. Ele então passou por mim sem me olhar, pegou o carrinho e seguiu seu rumo. Empurrando com uma certa dificuldade aquele carrinho que ja estava vazio, foi indo tão devagar que parecia não querer ir embora nunca mais. O que eu mais temia aconteceu: Afeto. Minha mãe abraçou meu pai fortemente e começou a chorar. Meu pai tentou acalmá-la mas ela estava incontrolavelmente triste. Eu cheguei no fim da conversa, não sabia o que aquilo representava. Eis que minha irmã me chamou no quarto e me falou: “Ele veio agradecer porque está indo embora, não vai mais vender verduras. Disse que ultimamente sentiu umas dores fortes no peito, e tonturas. O médico pediu a ele que parasse de trabalhar, até porque ele já viveu oitenta primaveras e esse serviço é muito puxado para um senhor com a saúde fragil… A mãe ficou com pena…” Fui pro meu quarto e refleti por alguns minutos, logo compreendi. Minha irmã não entendeu o ocorrido. Minha mãe não ficou com pena daquele senhor, ela chorou porque seu amigo já é um idoso e está doente. Eu disse amigo. É, amigo. Minha mãe que na maioria das vezes atravessa a rua pra não comprimentar as pessoas que ela conhece, dessa vez, percebeu-se surpreendida por um sentimento de uma compaixão imensa e uma sintonia inexplicável, a amizade. Aquele senhor não ia mais voltar. Acho que ela enxergou nele o meu avô, talvez isso explique o porquê do desespero de não vê-lo mais. Creio que ela sempre negou aproximação com as pessoas por isso, por medo de perdê-las e foi exatamente isso que ela sentiu naquele momento em que o vendedor de verduras anunciou que não voltaria mais. Ela se viu perdendo. Minha mãe não é o tipo de pessoa que pede telefone, pega o endereço e faz visitas por isso ela estava chorando. Tinha acabado de se despedir, provavelmente para sempre, daquele senhor que ela tanto gostava, aquele senhor esforçado, simples e sábio que ia todas as manhãs vender verduras e dar alegrias. E foi isso que eu temi o tempo todo, esse sofrimento, essa separação. Mas não evitei nem impedi, porque ela sentiu em alguns meses o que eu já havia sentido por muitos anos, o prazer de se ter uma amizade peculiar. Quando fui sair para o serviço, enquanto ela tomava o café da manhã eu repeti a ela uma frase que até então ela não entendia: ‘Muitas pessoas vão morrer sem entender o que é, muitas já morreram e não tiveram essa virtude’. Hoje mais calma ela sorriu e disse: ‘Filha você tem razão…’  (rmlaurelli)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

desejo a você...

Desejo a você que um dia perceba seu peito ardendo em fogo querendo entrar em erupcao (emocional).

Desejo que sinta o coracao e os pulmoes  entrando em guerra (plena).

Desejo que você sinta o coraçao provocando os pulmoes a respirarem (intensamente) ...

e que sinta os pulmoes gritarem ao coraçao por batidas (frenéticas).

Desejo que sinta sua mente chuviscando dúvidas (efêmeras)...

formando inúmeras poças (de incertezas).

Desejo que você sinta a força de um tsunami de possibilidades (inconvenientes).

Desejo que você ao olhar uma flor desabrochando vida em cores sinta comoçao (de arco íris).

Desejo que ao ver um casal abraçado na fila da lotérica você sinta um coração sorrir (o seu).

Desejo que um dia você veja um sorriso, maroto que seja, que lhe cause tornado na barriga, fisiologicamente falando, panapaná no estomago.

Desejo a você sentimento inexplicável

sinestesia aflorada

sensações à flor da pele

Desejo a você arrepios e descontrole

Desejo que você de tão saudável sinta as pernas bambas

Desejo vontade de existir. Vontade de sentir

que lhe faça contar pernas de joaninha, contar pétalas de flores
que lhe faça ler a bula do remedio e analisar as calorias do alimento
que lhe faça feliz quando ignorante e ignorante quando feliz, incontrolavelmente

Desejo tudo isso a você a sensação do indefinivel, acima das metáforas e comparações, acima de todas as regras...e tudo mais. Desejo a você o verbo indispensavel pra todo esse sentimento:PERMITIR.
Permita-se APAIXONAR


(rmlaurelli)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Hoje está tudo normal, como manda a conveniencia. Além do céu azul tudo está politicamente correto... pessoas indo trabalhar, os senhores da classe media alta estão tomando café no Vadinho,de roupa social, os aposentados estão chegando, os taxistas pondo o assunto em dia, os motoboys esperando ligações, os funcionarios esperando do lado de fora das lojas dar o horario para entrar no serviço, a livraria ainda esta fechada e nao tem ninguem olhando as vitrines, os pedreiros da obra estao martelando, as barraquinhas estao sendo montadas e está tudo tão igual! A gerente da Caixa acabou de passar do meu lado negríssimamente glamourosa, quando saía do Café Presidente. Os skatistas já estao sentados nos banquinhos, há alunos matando aula em frente a escola sentados em grupo dando risadas altas e nao há sinal do carro da patrulha escolar. Os idosos, senhores, já estao tomando o sol da manhã e contando causos uns aos outros, de suas aventuras de Hercules da juventude. As senhoras também estao tomando sol, tricotando palavras. As babás, tecnicas em enfermagem e enfermeiras já estao trabalhando, brincando com as crianças. O funcionario da escola aguando a grama, isso mesmo, a grama. E tem eu aqui tão indiferente quanto tudo isso junto e multiplicado... Tem eu aqui indiferente que hoje me peguei me observando observar tudo que está a partir da margem da minha pele, todo o exterior, o mundo cru dessa vida crua cheia de conveniencias. Essa rotina, essa coisa toda que eu tenho repugnancia, mas hoje não tanto, porque é sexta feira. E está por dentro tudo tão estável que o que me faz acreditar que eu estou sob controle porque a minha mente hoje chuviscou os pensamentos cotidianos mas com boa dose de  discernimento...E hoje eu gostaria de falar pra minha alma que ainda nao acordou nessa manhã, que eu estou feliz mesmo cheia de dúvidas, que ela não mais me fará angustiada quando me apontar a razão, porque eu já compreendi que quando eu observo eu entendo, e hoje eu entendi que eu nao sou triste, embora quase sempre estou. Estar é um estado. Eu posso mudá-lo, e faço isso sempre que observo com discernimento, no fim vejo que todos se esforçam, todos trabalham, todos tem duvidas e angustias, todos gostam de sexta feira, todos gostam de uma manha de céu azul. No fim todos queriam não fazer nada, ou tudo. Não sou diferente, logo observo. (rmlaurelli)