quarta-feira, 8 de junho de 2011

emprego

Me desejo boa sorte a partir de hoje, todos os dias, principalmente àqueles em que eu eventualmente pisar pra fora de casa com o pé esquerdo. As relações familiares a cada dia se complicam mais e o que pode ser feito para solucionar todas as complicações diárias foi feito durante 21 anos, então eu hoje, me desejo boa sorte também, para atravessá-las, não digo superar porque já as tenho como insuperáveis pois cada vez que me coloquei a acreditar que superaria essas complicações, e eventualmente também tenha superado, ressurgiam nas semanas seguintes ou brotavam outras, então deixo claro, boa sorte. Boa sorte venha e sinta-se a vontade, pode ficar comigo, pode morar aqui em casa, dormir na minha cama, usar as minhas roupas, pode usar minhas calcinhas, pode usar minha escova de dente… Não se acanhe, venha mesmo e sinta-se em casa, melhor ainda, more em mim, não precisa pagar aluguel! Te alimento com a minha alma, com os meus desejos e meus sonhos e isso é infinito, porque já sonhei por quem nunca sonhou, e sonhei pelos que já morreram, sonho tanto que chego a acreditar que nascerão pessoas que não saberão sonhar. Já desejei e ainda desejo coisas que suportariam vidas e vidas, portanto venha, é seguro. Tudo que lhe peço, é que fique por essa minha humana vida e que seja eterna enquanto eu durar…

encontro consonantal

Não foi o amor que te fez escrever o seu nome e o dele no banco de tráz do ônibus, e não foi o amor que te fez escrever o seu nome e o dele na porta do guarda-roupa, nem na porta do banheiro da escola, nem no espelho do restaurante, nem na contra-capa do caderno. Não foi o amor que te fez escrever o seu nome e o dele no caderno de respostas da sua melhor amiga e nem no passeio da sua casa com aquele pedaço de tijolo do muro da vizinha. Não foi o amor que te fez escrever o seu nome e o dele no mural de fotos, nem na cabeçeira da cama. Não foi o amor que te fez escrever o seu nome e o dele na sua pele. Olha… não foi ‘o amor’, e tampouco ‘amor’. Mas também não sei o que foi, tampouco o que é. Não sei o que ainda te faz escrever o seu nome e o dele, tampouco sei o que te faz escrever. Eu só sei que amor não é.

protesto pessoal

Por quantas vezes, ingrata, me peguei desejando que quando eu olhasse para uma pedra eu enxergasse apenas uma pedra. Coisa dura, fria. Queria ser cabeça de dicionário, enxergar o que é e ponto, sem metáforas. Queria que meus pensamentos não tivessem asas e que as palavras que eu escrevo não fossem macias e doces, pois essa é a impressão que tenho e sou viciada. Teria até feito prece, mas não sabia a quem e não havia maneira cabível de fazê-la sem mostrar a ingratidão que me aflingia. Angustiada de ter outros pontos de vista, embora algumas vezes encontrasse pessoas que compactuassem com eles, a minoria. Vai saber quem é que me atribuiu tal coisa, tal coisa que não ouso falar. Então preferi desejar, pra ser mais branda, e fui tão branda que hoje quando vi uma pedra fiz poeminha. Bom, cumpro a cina… que seja então feita a sua vontade, sensível sensibilidade artística e poética. Guardo os olhos de borboleta, cor, vida e asas, para fazer pensamentos virarem palavras amigas. Faço poeminhas.

argumento

Os artistas têm olhos que enxergam o céu em grão de arroz. Têm olhos com asas que voam mais alto que qualquer espaçonave já possa ter ido, além planeta, além sistemas e galáxias, bem perto de Deus. Têm olhos que cultivam toda a beleza do mundo, olhos que valorizam a vida ao máximo, no mínimo. Têm olhos capazes de absorver todos os sentimentos e transformá-los em uma coisa única e bela. Os artistas têm olhos tranformadores, olhos que têm olhos, ouvidos, tato, paladar. Olhos que são mais que olhos banais, olhos humanos. E isso não tem nada a ver com língua, classe-social ou raça. Nem com roupa, nem com marca, nem com etiqueta, nem com bonés, nem com chinelos, nem com problemas vitais e possíveis vidas passadas. Isso não tem nada ‘a ver’, a não ser com olhos banais. Isso é dom, meu bem…

lazar trupica

Quando você disse ‘agente se fala’, eu quiz começar um monólogo, contar piada, falar da rua mal asfaltada, botar a culpa no prefeito, no governo. Confesso pensei em reclamar do trânsito, do tempo, do frio, ou do sapato apertado. Pensei em apontar alguma esquisitisse, comentar a morte do Osama. Pensei em coisas que pudessem fazer você permanecer por mais um minuto, segundo ou hora, só para te-lo perto, como se a conversa não tivesse acabado, como se o tempo não estivesse passando. Mas você tinha que partir, deu as costas e foi-se embora sem ao menos perceber o meu tormento. Tomei meu rumo. Entrei no ônibus aos tropeços, me enrosquei na roleta. Procurei um recanto para me encostar e não queria que o trajeto acabasse. Pensava: ‘acabei de vê-lo’. Desci do ônibus aos tropeços, quase esquecendo a cabeça e a perna direita. No caminho de casa eu chutei pedras, enruguei a testa, azedei. Assim estou, pós momento, pós você, desde quando você não me disse ‘agente se vê’.