sexta-feira, 22 de abril de 2011
SOLAR
Muito próximo dos setenta, lá se vai meu pai trabalhar depois do almoço. É o que penso todos os dias. Sei que nessa hora minha missão é dizer ‘Vai com Deus, bom serviço’, mesmo que, profundamente eu saiba que ele não terá um bom dia de serviço pois está cansado. Tem quase setenta. Antes, o meu hábito era ficar na janela e vê-lo indo até chegar na esquina, e virá-la, mas confesso que depois que ele sofreu um infarto, há mais ou menos dois anos atrás, a janela não me servia mais. Comecei a acompanhá-lo até o carro e quando ele já dentro do carro estava, eu lhe dava mais um beijo e mais um ‘Vai com Deus, bom serviço’. Creio que nunca falei em amor, nunca disse ‘eu te amo’ e o obrigado nunca saiu, mas eu tentei desesperadamente e tento a cada segundo lhe agradecer, devia agradecer cada milésimo, cada agasalho, casa respiro, mas não sai. Como poderia deixa-lo saber? Encontrei a solução quando minha irmã caçula, com aquela rivalidade inocente me olhou e disse ‘eu vou dar tchau pro pai por último’ e como sei, crianças amam competições… Abracei a idéia e mudei o hábito. Sei que incomodo com isso, minha mãe me chinga todos os dias. Mas agora o hábito mudou mesmo. Quando ele está saindo de casa, começa o tumulto. É sempre uma correria, eu e a caçula: uma tentando abraçar o pai mais forte que a outra, tentando encostar por último, ser olhada por último, tomar a bençao por último e por fim dizer ‘Vai com Deus, bom serviço’ por último. E assim vamos até o carro, cotovelos e pernas, empurrões. Minha mãe berrando da janela, pra não irritar a menina, que isso atrapalha a digestão. A irmã do meio: “parem com isso!”, ela diz. Meu pai sempre dando risadas, gargalhadas de ver essa rivalidade. Incomodo, mas sei que meu pai vai trabalhar feliz, nem que seja do caminho de casa até a portaria da fábrica, mas ele vai feliz. E desde então, sinto que falar em amor é mesquinharia…
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