segunda-feira, 15 de agosto de 2011

gula

Vou ao dentista uma vez ao mês, porque uso aparelho odontológico, e há três anos marco a minha consulta sempre quinta-feira às oito horas da manhã. Não me importo com o dia do mês, isso decido na hora em que vou marcar a consulta e sem algum motivo em especial. Me lembro que no primeiro dia, a consulta foi numa quinta-feira e por saber que tenho memória fraca especifiquei que seria sempre neste mesmo dia da semana. O motivo das consultas serem sempre às oito horas é que antes, quando eu trabalhava, esse horário era favorável, eu podia ir tranquilamente ao dentista e chegar ao serviço pontualmente Agora, o motivo de ter continuado às oito horas até hoje, que não estou trabalhando, eu desconheço. Talvez costume. Pois bem. Hoje, quatorze de julho de 2011, quinta feira, levantei cedo como sempre, para ir ao dentista. Achei que hoje era o dia em que eu, finalmente, tiraria essa coisa metálica dos meus dentes, e por isso estava com a feição menos pior do que a dos dias que acordei cedo apenas para trocar os elásticos. Cheguei ao dentista e não tirei o aparelho, o que me fez ficar um pouco atordoada, mas sai de lá e fui em direção ao ponto de ônibus para voltar pra casa. No meio do caminho me lembrei que eu tinha uma nota de vinte reais, e os cobradores de ônibus aqui da minha cidade estão alertados a não aceitarem valores maiores que dez reais. Então fui em direção ao supermercado com o intuito de comprar qualquer coisa, receber o troco e voltar para casa. Eu queria muito voltar para casa, era muito cedo, o sol ainda não tinha acordado direito e estava frio. Além disso, eu não tinha tirado o aparelho e por isso estava emburrada. No supermercado, pensei em comprar algo para comer, mas não havia nada que eu quisesse comer, no meio de tanta variedade. Tudo que eu olhava me causava uma sensação de estômago cheio. Na verdade, nem tomo café de manhã. De repente, em uma das prateleiras do supermercado, encontrei algo que me deu água na boca. Meus olhos saltitaram. Não sabia nem para qual deles eu olhava, tinha de várias cores. Me deu vontade de comer, parecia muito gostoso. Comecei a salivar muito. Eu tinha que comprar, mas não ia conseguir comprar um só, então decidi que compraria dois. Assim saciaria a vontade. Não teria todos de imediato mas também não teria um só! Os outros eu podia esperar e comprar depois. ’Consumista, vítima da televisão!’, pensava eu enquanto escolhia, mas ignorava um segundo depois, porque aquilo me cegava o cérebro, eu naquele momento, precisava daquilo, vida ou morte. Aquelas coisinhas deliciosas, coloridinhas, embaladas e fresquinhas! Escolher que foi difícil porque eram embalados, não dava pra sentir o cheiro e eu estava com pressa porque tinha que pegar ônibus. Não consigo escolher nada com pressa, não consigo agir sobre pressão, mas cheguei a um consenso: optei escolher pela cor. Pensei ‘O marrom, chocolate, chocolate, chocolateeeeeee!’ e foi o primeiro que escolhi. Depois o roxo! O roxo parecia uva! ‘Uvas, eu amo uvas uvas uvas uvas! Que delícia!’ E pensar em chocolate e uvas naquele momento não me deu mal estar nenhum. Passei no caixa, paguei, e peguei o troco. A moça colocou minha compra na sacolinha. Sacolinha tão transparente e fina, que se eu tivesse comprado um saquinho de arroz ela não aguentaria. Isso fazia com que qualquer um que olhasse para a minha sacolinha, pudesse ver o que eu comprei. Mas não me importei, afinal não era um absorvente, não havia motivo para constrangimentos. Saí do supermercado então com tudo que precisava: o troco e a sacolinha. Por um momento pensei ‘Consumista, você não precisava disso!’ mas ao lembrar que era um produto que não ia engordar, despensei. Cheguei no ponto de ônibus e lá estavam eu e minha sacolinha apenas. O ônibus veio e eu entrei. Percebi que muitos olhos olharam para a minha sacolinha, quando entrei no ônibus. Olhos murchos de quem estava indo trabalhar,a final estava muito cedo, e nesse horário os ônibus lotam de trabalhadores. Eu ali, desempregada, com a sacolinha na mão entrando no ônibus. Eu estava de bota, não por vaidade, mas porque tinha saído na noite anterior, e de manhã coloquei exatamente a mesma roupa e sapato que tinha colocado para sair, por pressa. E, se num ônibus em que o trajeto é oposto ao centro da cidade, o ônibus estava cheio de pessoas que trabalhavam em fábrica. E eu ali de botas, sem serviço. Me senti um pouco estranha, mas isso as minhas botas não foram o motivo dos olhares mais alfinetantes que eu já levei na vida. Olhares femininos. O motivo foi a minha sacolinha de compra. Eu já não via a hora de descer daquele ônibus e fugir de todos os olhares, de arrancar minha sacolinha daquele ônibus. Algumas mulheres pareciam consumir o que eu tinha comprado, apenas com o olhar. O que eu havia comprado no supermercado, depois de ter me emburrado no dentista, me deixou tão ansiosa para chegar em casa. Eu tinha acabado de comprar  uma coisa deliciosa, que me dava água na boca só de pensar. Mas poxa vida, que mal tem uma mulher comprar esmaltes?

Nenhum comentário:

Postar um comentário