segunda-feira, 15 de agosto de 2011

sperantia

Se eu fosse menos atenta não teria percebido. Vi que ele tirou da gaveta os bilhetes antigos da mega sena e começou a fazer equações ilusórias, alusões irrisórias e teorias cósmicas. Pegou uma folha, uma régua, adicionou números aleatórios, riscou outros, traçou linhas, fez uma tabela. Procurou a combinação nas datas de aniversário, nos fatos passados e nos anos pra tentar encontrar o número, o bendito número que pode torná-lo dono dos 72 milhões de reais acumulados. Achou os números, depositou a fé, guardou a folha na gaveta e foi sentar-se no sofá como se não tivesse acabado de sonhar, como se não tivesse acabado de voltar de uma viagem longa e espacial. Sentou-se no sofá como se não tivesse acabado de planejar o resto da sua vida, da vida das filhas e dos netos e bisnetos que virão. Brincou com a filha caçula como se fosse um rei, um rei nas horas vagas de lazer e luxo. Não olhou para a televisão. Não notou que eu estava descalça. Não acordou o gato que dormia no sofá. Não gritou. Apenas sorriu. E por isso eu não me importo em saber se os 72 milhões nos fariam mais felizes, ou nos fariam família, ou mais família, só me refiro à esperança que pairou. Esperança irrepartível, irreplegível, irreplicável e irrepreensível.

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