segunda-feira, 15 de agosto de 2011

são pedro I

Fazia algum tempo, aliás, anos, que eu já não pegava ônibus no horário de pico, o horário em que os alunos voltam pra casa, os trabalhadores estão indo almoçar e os ônibus estão sempre lotados, por esses motivos. E foi ontem que eu me lembrei de quando era estudante de ginásio. Já fazem quarto anos que eu me formei e nunca mais preguei ônibus neste horário. Quando avistei o ônibus que vinha, notei que não era o que eu costumo pegar para chegar em casa eventualmente em alguma ida ao centro da cidade, mas me lembrei que era o que eu pegava na época de estudante. Um ônibus que até passa perto da minha casa, mas ele não é desses ônibus comuns, é um ônibus específico para as áreas rurais, então ele passa somente em três horários no dia, para levar e buscar pessoas que moram nessas localidades. É um ônibus com cheiro de terra, que o chão dele costuma sempre estar alaranjado de chão de roça. Um ônibus super lotado de idosos ainda trabalhadores, de idosas que vão ao centro acredito que apenas para fazer compras no supermercado, das coisas que nao podem ser plantadas, e também super lotados de mães jovens casadas, com seus filhos, provavelmente indo ao médico, acredito eu… Lotado de pessoas simples, desprovidas de vaidade,  umas por serem realmente simples, outras por não terem condição. Não há cor que chame atenção, não há adolescentes com celulares nas mãos e nem nada do que se vê na televisão. Me lembro que uma vez, havia um senhor com uma inchada na mão dentro do ônibus. Geralmente, o ônibus cheio de pessoas típicas de roça. Como eu sabia que ele passaria perto da minha casa, peguei.  E ao entrar nele tive a impressão de ter pego aquele ônibus pela última vez no dia seguinte, uma cena que se repetiu por tanto tempo, ali, depois de quatro anos, eu estava vivendo novamente. A senhora e sua filha, as mesmas de quatro anos atrás. Senhora forte, alta e robusta, com a genética boa, deve ter lá seus 65 anos de idade, estava ali firme e forte, segurando sacolas, sem um fio de cabelo branco na cabeça, sem um espaço no rosto em que não houvesse rugas. Talvez, rugas de cansaço, rugas do tempo. Parecia mãe de primeira viagem, de atenção redobrada, de olhos que tudo vêem. Sua filha, a mesma coisa, grande e robusta, e ainda, depois de quatro anos, estudante usando o mesmo uniforme. Estudante da escola para deficientes. Sua mãe com a mesma leveza no olhar, de vida conformada, de vida que não pode mudar nem ser diferente. Levando a vida que ela terá de levar até o fim, até aguentar, até não poder mais. Escondendo o medo da morte, talvez nem pensando nisso, tanto é o medo que ela deve sentir de morrer e sua filha ficar aqui, sem seus cuidados. Aos seus sessenta e poucos anos de idade, era pra ser apenas uma idosa cheia de problemas de saúde, no entanto é ainda mãe jovem, pois precisa cuidar da sua filha até o fim de sua vida. Na verdade é uma idosa, pode ter problemas de saúde e dificuldades, mas no cumprimento do seu dever de mãe, parece ser tão forte e saudável quanto a filha, em questão de saúde. A mesma mãe de quatro anos atrás, a mesma rotina, a mesma luta. E quando sua filha apontou algo na rua para mostrar, porque não sabe falar, ela olhou e sorriu, com o mesmo sorriso de quatro anos atrás. Eu que por tantas vezes, não tive estrutura para lidar com situações em que tive de ter metade da responsabilidade que essa senhora carrega sozinha nas costas durante esses anos todos, me senti sem voz, me senti paralisada. Como se aquilo fosse um balde de água fria no dia mais frio do ano, sendo jogado no meu corpo, nu. Foi como se eu pudesse me chocar com uma realidade realmente difícil, que as minhas lástimas de ontem tivessem virado piada naquele momento, como se meus medos fossem os medos mais infantis que já pudessem ter existido, como se as minhas dúvidas tivessem virado apenas mais umas gramas de terra alaranjada no chão daquele ônibus.

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